Todo começo de mês a dona de casa Ivone de Souza, 48 anos, vai ao mercado fazer as compras da família. Os três filhos são bons de boca e o marido adora feijão com arroz. Nesta quinta-feira (2) ela respirou fundo algumas vezes enquanto olhava o preço dos alimentos e acabou devolvendo o pacote do feijão de volta à prateleira.
“O preço subiu muito. Tenho que levar porque a gente não pode ficar sem feijão em casa, mas vou comprar outra marca. Desde que começou a aparecer os casos de coronavírus aqui no Brasil os preços começaram a aumentar. O dinheiro que a gente tem já é tão pouco e ainda tem que lidar com isso”, disse.
A dona de casa reclamou também do reajuste no preço do arroz, do leite e dos ovos, e disse que está pensando em alternativas para manter a família alimentada sem precisar gastar tanto. “Não sei como vou fazer, mas a gente vai ter que pensar em alguma saída. O dinheiro que eu gastei para fazer mercado em março já não dá mais para fazer a mesma compra em abril”, afirmou.
Ivone tem razão. Segundo o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE), a variação média dos valores de 20 itens da cesta básica saltou de 0,19%. no início de março, para 1,64%. no dia 26 do último mês. O feijão foi apontado pelos consumidores ouvidos na reportagem como o que sofreu maior reajuste, passando de R$ 4,20 para até R$ 7,85. Em alguns mercados de bairro ele está sendo vendido acima dos R$ 8. Esse aumento revoltou o motorista por App Nilton Soares, 41 anos.
“Não houve desabastecimento. Os caminhoneiros estão trabalhando, o campo continua produzindo, então, não tem motivo para esse aumento nos preços dos produtos. Eles (empresários) usam a desculpa do novo coronavírus para fazer esses reajustes absurdos”, disse, enquanto escolhia o que colocar no carrinho.
Antes de chegar às mesas, os alimentos passam por um longo caminho que se inicia na plantação. Com a pandemia do novo coronavírus, etapas desse processo foram dificultadas e, como resultado, o preço de algum desses produtos alimentícios cresceu. Para o coordenador do IPC do FGV IBRE, o economista André Braz o aumento no valor é influenciado pelo isolamento.
“Dois pontos principais explicam o avanço dos preços. Além do aumento da demanda por alimentos, pois todas as refeições estão sendo feitas em residência, houve aumento da estocagem de alimentos por receio de que o vírus se propague mais e expanda o período de confinamento social”, analisa o responsável pelo estudo.
Os vilões
Nos supermercados de Salvador, tanto os grandes como os pequenos, já é possível notar a elevação o valor de alguns alimentos. O presidente da Associação Bahiana de Supermercados (Abase), Joel Feldman, aponta que ovos, leite, feijão, arroz, óleo de soja e açúcar foram os que ficaram mais caros.
“As indústrias que produzem essas categorias aumentaram os preços e algumas redes até trabalharam sem fazer ajuste nos valores por um período. Agora essas tabelas chegam, os supermercados evitam comprar de empresas que fizeram o aumento, mas em certos produtos foi uma alta simultânea em todos os fornecedores. Produtos como ovos e feijão são de primeira necessidade que não é possível substituir por outro fornecedor como podemos fazer em itens de higiene e perfumaria”, diz.
Com base na nota fiscal de alguns clientes, o CORREIO comparou os preços dos alimentos antes e depois da pandemia ser decretada, em 11 de março. As compras foram feitas no mesmo supermercado e os produtos são da mesma marca. O arroz que custava R$ 2,59 passou para R$ 2,89. O açúcar que estava de R$ 2,98, agora está de R$ 3,19. A caixa do leite líquido que era R$ 3,13 aumentou para R$ 3,69. E o feijão saltou de R$ 4,19 para R$ 5,44.
Quando a comparação é feita entre os mercados as diferenças são ainda maiores. O quilo do feijão da mesma marca variava entre R$ 5,44, R$ 7,29, R$ 7,85 e R$ 8,10. Já o óleo de soja estava de R$ 4,15, R$ 4,18, R$ 4,59 e R$ 4,65.
A estudante de publicidade Aline Novaes, 32, contou que demorou mais que o tempo normal para fazer as compras e culpou a população pelo aumento nos preços. “Tem muitas gente comprando mais do que precisa. Os produtos acabam e como a demanda continua alta, os preços sobem. É preciso ter mais consciência e parar de agir como se o mundo estivesse acabando. Os consumidores precisam ser mais racionais”, disse.
Ela disse que está preocupada. “Estou trabalhando de casa, mas não sabemos até quando isso vai durar. Imagine quantas pessoas vão perder o emprego e ainda terão que pagar mais caro para conseguir se alimentar. Esses reajustes podem até ser justificados, mas não podem ser abusivos”, afirmou.
Enquanto isso, consumidores enfrentam filas e lotam supermercados, se aglomerando à procura de promoções. Em um dos mercados o gerente resolver baratear o preço dos ovos. Funcionários contaram que foi uma correria. Quando a reportagem chegou já não tinha mais nada na prateleira.
* Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro