“Vergonha de dizer não”, “medo de magoar” e “ficar com dó” são os principais motivos para emprestar o nome a terceiros
Fernanda Lima – Correio da Bahia
A partir das 7h, Monike Regina, 24, lida com números. Calcula os custos, lucros, avalia a produção. É a mestre da Matemática em um hospital de Conceição do Coité, Centro-Norte do Bahia. Às 17h, hora de ir embora, algo em Monike se perde até o próximo dia: a habilidade com equações. Aí surgem tias, primas, familiares: “Pode me emprestar o cartão de crédito?”. A moça responde: “Claro”. O resultado já arrancou o sono de Monike. As dívidas feitas pelos parentes nem sempre são pagas, e ela, entre a bondade e o lapso de memória, ficou inadimplente. Como ela, uma em cada cinco pessoas (17%) ficou negativada por emprestar o nome.
Os dados são da pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), em parceria com a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), e consideram o total de pessoas com nome sujo: até o dia 15 de maio, eram 62,2 milhões de brasileiros. Os consumidores avaliados pela pesquisa esclareceram, então, como chegaram à inadimplência.
Dos 800 entrevistados, mais de metade emprestou o cartão de crédito, sem receber o retorno. Os pedintes desapareceram, as contas ficaram. Com o débito, parte deles (62%) decidiu não ceder o nome novamente sob nenhuma hipótese. No entanto, 20% insistem: mesmo com o calote, não hesitam em novos empréstimos a pessoas próximas.
A auxiliar administrativa Monike entrou para a lista do SPC aos 18 anos, com uma dívida de R$ 1 mil adquirida por parentes e amigas da mãe. As endividadas compraram, sobretudo, roupas e acessórios. O levantamento divulgado ontem mostra que 37% das dívidas foram contraídas por terceiros em gastos com roupas, calçados e acessórios. Com a situação já regularizada, agora, Monike até anota as compras, calcula e faz cobranças. Mas, empresta.
“Vou aprendendo aos poucos. Quando aprender, ou dou um fim no cartão, ou paro de emprestar”, diz.
É que Monike quer ajudar e tem medo de que a negativa arranhe a relação com os parentes mais próximos. Na pesquisa, são constatados os principais motivos do empréstimo. “Querer ajudar” sai na frente (51,4%), seguido de “Fiquei com vergonha de dizer não” (13%) e “Fiquei com medo de magoar” (11,5%).
Superintendente de Finanças do SPC Brasil, Flávio Borges acredita que o empréstimo seguido da dívida levanta a pergunta: “Qual é o valor daquela amizade?”. Isso porque foram os amigos quem mais solicitaram os documentos para compra – média de 26,3%.
O especialista ressalta:
“Se não tem para onde correr, a pessoa vai recorrer aos amigos. Oferece aquilo que tem para tirar o amigo do sufoco. Mas é difícil julgar, dizer que é errado, reprovável”.
Para ele, por isso mesmo, é preciso “emprestar somente aquele valor que temos condição de abrir mão. “Não que tenhamos que emprestar já pensando que não vamos receber. Mas, é bom ter isso em mente, para estar pronto caso aconteça”, justifica Flávio.
Emprestar ou não
O educador financeiro Isaias Matos aponta a necessidade de ponderação. “Emprestar não é nada ruim, depende de para quem você empresta”. Ainda assim, são necessárias cautelas.
“A primeira pergunta a se fazer à pessoa que pediu emprestado é: ‘Como você vai conseguir pagar? O planejamento é necessário”, indica.
O estudo do SPC e do CNDL conclui que 23% dos entrevistados emprestaram o nome sem saber ao menos o valor da compra que seria feita. E mais: 55% tiveram que fazer algo para conseguir limpar o nome, principalmente economizar e cortar gastos do orçamento (27%) ou usar a reserva financeira que possuíam (20%).
Para Matos, os números provenientes das dívidas com empréstimos de cartões, por meio do qual são contraídos os débitos, são também um reflexo do próprio uso do cartão de crédito. “No momento em que você tem boa parte das pessoas endividadas, o cartão de crédito se torna uma válvula de escape. E, quem pede emprestado o do outro, já dá indícios de que não poderia comprar”, adverte.
Na regra de Isaias, vale a sabedoria popular: “Quem empresta, não presta”. “É um alto grau de endividamento. A parte mais sensível do corpo humano é o bolso”, conclui, aos risos. No leque de possibilidades para justificar ou condenar o empréstimo, ele estende a lista de metáforas. Um respiro lúdico para os números da realidade.
Para 40% dos que emprestam, motivo é psicológico
O cálculo dos motivos para emprestar o nome a terceiros mostra: dos cinco motivos elencados, quatro variam de “vergonha de dizer não” a “medo de magoar” e “ficar com dó”. As angústias se põem entre os donos do cartão de crédito ou do talão de cheque, para citar o exemplo de dois documentos emprestados.
Somadas as justificativas, ao menos 40% provêm de razões psicológicas. A psicóloga Paula Goulart explica:
“De maneira geral, relações que envolvem o empréstimo de dinheiro ou de cartão envolvem uma relação de confiança e intimidade entre quem pede e quem empresta. Por isso, é importante lembrar que sentimentos como receio de dizer não ou medo de ser rejeitado após a negativa já estão presentes nessas relações”.
Na avaliação da psicóloga, os receios surgem ligados a outros fatores. O principal é a fantasia de que dizer não altera, permanentemente, a relação com uma pessoa querida. O problema, ela declara, é “não estabelecer limites frente ao outro”.
O superindentede do SPC confirma: todos têm o direito de dizer “não”. E a negativa pode ser, também, um bem para uma amiga, tia ou um colega de trabalho. “É preciso prever o prejuízo que isso pode causar à vida das duas pessoas. É aquela história: as pessoas ao ouvirem não podem até se magoar. Mas a magoa vai existir da mesma forma houver alguma dívida em questão”, esclarece.
*Com supervisão da editora Lucy Barreto.