Pensamento crítico

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– Foto: Freepik

O ambiente democrático no Brasil vive um processo inquietante, porém característica de uma tentativa de corrosão. Em meio ao ruído das disputas eleitorais e à permanência de um clima de campanha contínua, surge um fenômeno que exige atenção: a substituição do pensamento crítico por reações emocionais, pela polarização e pela intolerância ao contraditório. Desde as eleições de 2022, observa-se um movimento persistente que contesta a legitimidade do processo democrático e alimenta narrativas conspiratórias. O que poderia ser apenas uma reação momentânea à derrota transformou-se em estrutura. Parte disso sustenta-se em discursos externos — inclusive de lideranças estrangeiras — que reforçam a lógica da radicalização. Chega ao ponto de cogitar-se, e há divulgação por muitos sites, de impedir a presença de brasileiros na Copa do Mundo de 2026, nos Estados Unidos. E o pior: a CBF quer discutir a questão com o governo brasileiro. Discutir o quê? Futebol é força brasileira, mas a soberania é intocável. A distopia, aqui, não é literária: é cotidiana, marcada por tentativas de impor uma única verdade e silenciar a pluralidade.

A polarização, embora natural em democracias, assumiu contornos disfuncionais. Em vez do confronto de ideias, vive-se a negação do outro. A crítica passou a ser vista como ameaça. Questionar tornou-se sinônimo de violência. O espaço público, idealmente um lugar de construção coletiva, tornou-se arena de reafirmação de certezas pessoais. Essa realidade é analisada por pensadores contemporâneos. Manuel Castells, sociólogo espanhol, observa que vivemos em uma “sociedade em rede”, na qual bolhas informacionais se formam a partir de algoritmos que reforçam convicções e eliminam o dissenso. Esse processo, que ele chama de “autocomunicação de massa”, transforma o debate em monólogo coletivo. Já Zygmunt Bauman, por sua vez, alertava para a fragilidade dos vínculos sociais em uma modernidade líquida. A ausência de diálogo ético, segundo ele, conduz à fragmentação, à desconfiança e ao isolamento — sintomas visíveis na sociedade brasileira atual.

No contexto nacional, o sociólogo Renato Janine Ribeiro propõe uma reflexão ética mais profunda. Em A Sociedade Contra o Social, argumenta que estamos nos tornando adversários de nós mesmos, priorizando identidades fechadas em detrimento do bem comum. Ele defende a recuperação do diálogo e a prática cotidiana da humildade intelectual. O momento exige, sim, uma reação de domínio do soberano e uma identidade realmente patriótica. A democracia não sobrevive apenas de votos, mas da disposição permanente para o debate, para a escuta e para o reconhecimento da complexidade dos fatos sociais. Sem isso, resta apenas o grito — e ele, por si só, não constrói nada.

*Mestre em família pela Ucsal e fundador da Cidade da Luz.

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