Confiança médica: o fio que a rede social não deve romper

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Guilherme Ribeiro*

Se tem algo que sustenta qualquer relação é a confiança. Na medicina, isso não é diferente. A ausência dela compromete qualquer possibilidade de cuidado real. Um tratamento sem confiança vira protocolo vazio. A adesão se enfraquece, as orientações perdem peso, a conduta do profissional começa a ser vista com desconfiança — e aí, todo o processo se torna frágil. Inseguro. Quase sempre, fadado ao fracasso.

Durante muito tempo, a escolha de um médico passava de geração para geração. Era aquele profissional que cuidava da sua avó, que acompanhava o nascimento do seu irmão, que sabia da sua história sem precisar checar prontuário. O famoso “médico de confiança”. E esse título não vinha do jaleco, vinha da relação.

Hoje, a busca pelo profissional ideal muitas vezes acontece na palma da mão, entre avaliações no Google, comentários em redes sociais e relatos em fóruns. A escala aumentou. A capilaridade das opiniões também. O paciente tem acesso a milhares de vozes. O que é ótimo. Mas quanto mais vozes, maior pode ser o ruído. E, no meio disso tudo, surgem as armadilhas.

Na cirurgia plástica, esse movimento é ainda mais sensível. Porque lidamos com autoestima, com expectativas e com corpos singulares. A promessa de resultados milagrosos, fotos de antes e depois sedutoras e preços tentadores podem parecer irresistíveis.

Mas por trás dessas ofertas, muitas vezes, há um cenário perigoso: procedimentos realizados em locais inadequados, profissionais sem a capacitação devida e resultados desconexos com a expectativa alimentada. Economiza-se naquilo que nunca deveria ser barganhado — a segurança, a vida. O preço pode ser altíssimo. Às vezes, irreversível. Às vezes, fatal. “O sonho que virou pesadelo”, assim lemos nas manchetes dos jornais.

A medicina avança. Novas técnicas surgem todos os dias. E isso é ótimo. Desde que venha acompanhado de preparo, estudo e ética. Um bom profissional não promete o impossível. Ele respeita limites. Escuta com atenção até o que não é dito. Demora seu olhar para entender silêncios. E, quando necessário, diz “não”.

Porque entre o desejo do paciente e o que de fato é possível e seguro, pode existir um abismo. E é papel do médico construir essa ponte com informação, clareza, empatia e respeito. É menos sobre esculpir corpos e mais sobre cuidar de pessoas. De entender a história por trás do pedido. De proteger quem confia a própria vida às nossas mãos.

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, escreveu Camões em um soneto. Muda o mundo, muda o desejo, muda até a forma de se enxergar no espelho. Mas, com todo respeito ao poeta, há algo que não deveria mudar: a confiança entre médico e paciente. Porque ela não acompanha a tendência, nem se dobra ao tempo. Confiança é valor atemporal. E é ela que sustenta cada escolha, cada movimento com o bisturi, cada escuta. Sem ela, nenhum resultado vale a pena.

*Cirurgião plástico, formado em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Tem residências em Cirurgia Geral e Plástica na Santa Casa de Misericórdia de Minas Gerais e no Hospital das Clínicas da UFMG. Atualmente, integra o corpo clínico da Clínica Fibonacci 

Fonte: Hoje em Dia

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