Paulo Carneiro completa um ano de Vitória; veja entrevista exclusiva

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Paulo Carneiro também analisou atual momento do futebol brasileiro (Arisson Marinho/ Arquivo CORREIO)

Paulo Carneiro completou um ano à frente do Vitória. Presidente de 1991 a 2005, ele reassumiu o clube em 24 de abril de 2019 com mandato até dezembro de 2022. A missão de reconduzir o Leão à Série A do Brasileiro não foi cumprida na temporada passada, quando o rubro-negro passou 15 rodadas da Série B na zona de rebaixamento, reagiu no final e escapou da queda com uma de antecedência, terminando em 12º lugar.

Ao contrário do que ocorreu em 2019, o elenco deste ano foi todo montado pela gestão dele, mas o trabalho foi interrompido pela pandemia de coronavírus. Para evitar o contágio da doença, as atividades na Toca do Leão foram suspensas em 17 de março, último dia em que o presidente esteve no clube. De lá para cá, todas as reuniões estão sendo realizadas por videoconferência. Aos 69 anos, o dirigente faz parte do grupo de risco da Covid-19 e não esconde o temor de contrair a doença: “Morro de medo e por isso estou trancado na minha residência”.

Por telefone, Paulo Carneiro concedeu entrevista ao CORREIO, fez um balanço sobre o primeiro ano de gestão, falou dos impactos da pandemia no Vitória e também sobre outros assuntos. Confira:

De que forma a pandemia de coronavírus impactou no Vitória?

O clube fez redução dos salários dos funcionários?

O salário do presidente também teve redução? 

Houve redução de 25% do salário dos jogadores?

Já dá para dizer quanto o clube teve de prejuízo?

Nós estamos fechando isso, mas o que temos que fazer nesse momento é reduzir custo ao máximo e manter o nível de receita que temos. Acho que, por incrível que pareça, o grande problema nosso está no marketing, porque se a gente não joga, a gente tem queda de receita no plano de sócios, alguns contratos são suspensos, não temos público no estádio, embora a receita de estádio esteja muito mais acoplada, no caso do Vitória, aos sócios do que ao torcedor. Mas não valorizamos os nossos atletas na mídia, esse é um prejuízo enorme, não dá para medir, é um valor intangível. Estamos fechando esse número e o que nós precisamos é manter as receitas, então, se por exemplo, a rede de televisão retirar nossa cota, é só você multiplicar ela pelos meses que faltam para ver o tamanho do prejuízo. É claro que, quando você tem um orçamento menor, o prejuízo é menor. Quando você tem um orçamento maior, o prejuízo é maior. Eu tenho ouvido aí o presidente do Bahia falar do tamanho do prejuízo. É porque ele tem uma receita perto de R$ 200 milhões. A nossa é R$ 40 milhões. Há uma diferença enorme de prejuízo nesse aspecto.

As atividades na Toca do Leão voltarão em 1º de maio?

Não voltarão. E como não temos mais como dar férias, vamos mantê-los em suas residências. Não acredito que haja atividade a partir de 1º de maio. Temos que esperar o que os nossos governantes vão fazer. Eu não consigo enxergar retomada em maio.

É a favor do isolamento social por causa da Covid-19?

No início, sim. O que eu não sou a favor é da estupidez dos políticos, que ficam usando o povo para fazer política. Como ex-político (foi vereador de Salvador em 1993-94 e deputado estadual 1995-2003), vejo que não mudou nada anos depois da minha saída. Os políticos continuam os mesmos, o povo que se dane. É lógico que se você tem 80% dos municípios da Bahia sem epidemia, por que fazer isolamento social nesses municípios que não têm registro de epidemia? Isso é de uma ignorância. Para a economia toda em município que não tem um caso. Nós temos um país com dimensão continental, as decisões deveriam ser feitas regionalmente em função da contaminação das cidades. As grandes capitais com certeza deveriam ter isolamento forte no início e depois, na medida que a curva vai se estabilizando, não precisa ser médico pra isso. Você tem duas classes no Brasil, a dos estúpidos e a dos políticos.

Você faz parte do grupo de risco. Tem medo de contrair a doença?

Claro. Morro de medo e por isso estou trancado na minha residência.

Quais são os desafios de um gestor de clube de futebol durante a pandemia?

O desafio é você estar dentro de uma atividade esportiva que só os funcionários no clube e os atletas treinando não é suficiente, porque a indústria do futebol não é administrada no Brasil pelos clubes, como é nos outros países. Essa é uma diferença importante. Nos outros países, os clubes têm suas ligas e administram seu negócio. No Brasil, quem administra a indústria do futebol é a CBF, então a gente tem que trabalhar de braços dados com ela para encontrarmos uma solução para essa indústria, no caso aqui do nosso negócio particular. Não tem muito o que fazer não. É manter os jogadores motivados e não é fácil. A nossa comissão técnica tem conversado diariamente com eles e vamos aguardar o que vai acontecer.

Acha que a CBF está ajudando os clubes neste momento?

Até agora, muito pouco. Ajudou um pouquinho os clubes das Séries D e C, pelo que eu soube, mas os clubes das Séries B e A, que eu tenha informação, ela tem negociado algumas coisas em Brasília, mas não existe nenhum fato concreto. Existe uma comissão nacional de clubes, que é representado por clubes das Séries A e B, mas não existe nada palpável, prático até agora. Nada, nada. E a gente está vivendo também essa expectativa.

Qual foi o seu principal acerto no primeiro ano de gestão?

Difícil. Quando você trabalha numa empresa de mão de obra intensiva, têm muitas ações que você toma durante o período que se mostram acertadas e outras não, você corrige, como é o caso da Fonte Nova, que nós tínhamos uma ideia e ela não se configurou como boa na prática e nós recuamos. Voltamos para o Barradão, que é a nossa casa, onde nós sabemos exatamente nossas condições. Agora, se eu disser qual é o principal acerto, acho que no primeiro período de 2019, posso dizer que é a recuperação da autoestima do clube, da confiança dos empregados e atletas, do que eles esperavam da gestão. O Vitória era um clube vencido pela inépcia do que aconteceu em anos passados. Acho que trouxemos de volta para o clube a esperança, a confiança, e acho que esse, talvez, tenha sido o principal acerto.

E o principal erro?

Não consigo enxergar nenhum erro, não. Nem o da Fonte Nova. A Fonte Nova nós tínhamos uma expectativa muito otimista, mas nós precisávamos ter um crescimento de sócio compatível. A decisão não foi errada ou certa. Infelizmente, a quantidade de sócios não foi a que nós esperávamos para nos garantir sem muito risco, um contrato que se apresentava como de alto risco para nós. Nós arriscamos, não ganhamos em campo, recuamos. Não vi erro nenhum. Até gostaria que me apontassem para eu reconhecer como erro. Erramos nas contratações. Pode ser. Talvez. Mas nós não tínhamos recurso nenhum, né? Encontramos um elenco absolutamente desqualificado e tentamos recompor. Quando você não tem dinheiro, você compra uma camisa numa loja popular. Quando você já tem um pouquinho mais de dinheiro, já compra uma camisa num shopping. Contratar é a mesma coisa. Se você não tem dinheiro, o nível de contratação é proporcional à capacidade de captação de geração de caixa. É assim que entendo.

Quais contratações de 2019 não foram acertadas?

Não posso dizer.

Qual a sua avaliação do desempenho do Vitória nos 10 jogos disputados no começo da atual temporada?

O time principal só perdeu uma partida e fora de casa (1×0 para o Ceará), num ambiente extremamente ruim para a prática do futebol, o campo era uma lagoa. Acho que os números falam por si só da qualidade do nosso elenco. E ainda com alguns desfalques importantes. Jogadores que estavam vindo muito bem e que estavam fora do time por lesão. Então, eu acho que com a equipe recomposta, nós temos aí pequeníssimos retoques para fazer, talvez. Não temos essa certeza ainda, mas nós temos um time pronto para brigar pelo acesso.

Quão importante foi vencer o Ba-Vi do Nordestão?

Pra mim não tem muita importância, não, porque eu já ganho do Bahia há mais de 20 anos. O Bahia pra mim é um rival, mas um adversário como outro qualquer. Nas três primeiras rodadas, a gente enfrentou três times de Série A e nós não perdemos de nenhum deles. Então, deu para balizar, não só o jogo do Bahia, como também os outros, que tínhamos um elenco bem qualificado. Nós enfrentamos de igual para igual os três adversários e ganhamos do rival na casa deles. É sempre bom. O torcedor deve ter ficado muito satisfeito. Eu, como torcedor, também fiquei, mas a nível de programa, a avaliação nossa não é diferente do jogo do Fortaleza e nem do jogo do Sport.

Já identifica quais são as carências do elenco? 

Não. Mesmo que eu tivesse carência, não falaria, porque essas coisas são tratadas internamente. O elenco está pronto para subir. Tenho dois jogadores que contratamos no início da pandemia que nem treinaram ainda (o lateral Léo e o goleiro César). Nós estamos com um elenco pronto para enfrentar essa maratona.

Quais são os atletas do elenco do time de aspirantes que serão aproveitados?

A transição já estava acontecendo. Eduardo jogava no aspirantes, Carlos jogava no aspirantes e era do principal, tem 19 anos. Nós já fazíamos isso. Naturalmente, isso fazia parte do programa. O Lucas (Arcanjo), goleiro, que foi grande destaque na partida contra o Ceará, é o titular do time de aspirantes. Leonardo, lateral esquerdo, já foi no banco em alguns jogos do time principal. Gabriel Bispo no ano passado jogou o Brasileiro inteiro da Série B, jogando e ficando no banco de reservas. Esses jogadores, e mais alguns, vão estar no elenco do time principal pra essa temporada.

Quantos atletas do time de aspirantes serão emprestados ou dispensados?

Cerca de 12 atletas.

Você pretende retomar o projeto do time de aspirantes no ano que vem?

Nunca mais o Vitória joga com o time principal o Campeonato Baiano. Pelo menos enquanto eu for presidente. Nós precisamos encontrar um novo caminho para o estadual. Precisamos abrir datas para a Copa do Nordeste, para aumentar a nossa receita. O estadual não dá receita nenhuma, então nós temos que mudar o estadual para um modelo a base de sub-23 e disputar esse campeonato fora da série das competições nacionais, para que essas 12 datas dos estaduais sobrem para a Copa do Nordeste. Mas isso tem que acontecer no Nordeste inteiro, então não é uma tarefa simples. A Bahia deu o primeiro passo, com essa visão alinhada que o Vitória tem com o Bahia e a própria Federação (Bahiana de Futebol), que no fundo é quem lidera esse processo. A Federação tem a percepção também que o estadual do jeito que está sendo tocado não é bom para o futebol. A maioria desses clubes disputam 30% do calendário e ficam pelo meio do caminho. Nós temos que encontrar um modelo diferente, mas isso está na fase inicial de discussão.

Você é favor de que o Baiano seja retomado este ano?

Desde que não atrapalhe o Brasileiro, sim.

O Vitória disputaria o estadual com qual time?

Qualquer equipe, menos a principal.

E quanto ao Nordestão, deve ser retomado?

Claro. É a principal competição que temos na região, a que dá mais dinheiro, que dá mais visibilidade. Claro que temos que retomar.

Com relação à Série B, acha que a fórmula de disputa de pontos corridos deve ser mantida mesmo que tenha que terminar em 2021?

Claro. Mata-mata é passado. Não volta mais.

No começo da sua gestão, o Vitória contratou dois treinadores jovens, Osmar Loss e Carlos Amadeu, mas encontrou tranquilidade com o experiente Geninho. Você se arrepende de ter trazido técnicos jovens?

De jeito nenhum. Essa questão de idade e resultado nem sempre tem relação direta. Não tem nada a ver isso de treinador jovem ou velho. Nós temos que ter a metodologia do clube e não a do treinador. O programa tem que estar institucionalizado, porque aí independe do treinador, do mais experiente ou menos experiente. O menos experiente não quer dizer o menos capaz. Isso é muito relativo. Geninho nos ajudou agora na última etapa do campeonato, continua nos ajudando. Enquanto a gente e ele entendermos que estamos alinhados com os objetivos do clube, ele segue à frente do time.

Acha que a torcida já abraçou o plano de sócios?

Sem dúvida. Nós dobramos, né? Os números são os fatos. Contra fatos, não há argumentos. Nós dobramos a quantidade de sócios adimplentes no Vitória, mesmo após a última atualização já dentro da pandemia. Houve uma perda. Nós hoje temos mais de 3 mil sócios inadimplentes, mas inadimplentes dentro do período de 90 dias, eles podem reativar. E temos 12 mil sócios adimplentes. Acho que quando nós entramos não tínhamos 7 mil, então, acho que essa foi uma das coisas importantes, o crescimento da base de sócios do Vitória.

E sobre a ida da torcida ao Barradão?

A torcida, você tem que separar, entre sócio e torcedor. O torcedor não tem ido ao estádio, porque o torcedor se acostumou a só ir para o estádio em jogos grandes. O torcedor tem que pagar ingresso, ele não é sócio, porque naquele momento da sua vida pessoal, mesmo o ingresso embutido no preço do sócio, ele acha que não deve ser sócio, aí ele paga mais caro pelo ingresso, mas isso já acontece no Vitória há alguns anos. A torcida tem tido pouca presença no estádio, o sócio não. O sócio tem tido presença importante no estádio. E a tendência do Barradão é ser completamente preenchido por sócios.

Você já tinha sido presidente do Vitória de 1991 a 2005. Qual é a diferença entre agora e naquela época?

As dificuldades são parecidas, mas não são as mesmas. Na época, o Vitória não tinha patrimônio. Nós tínhamos que construir o patrimônio e, ao mesmo tempo, fortalecer a equipe para permanecer na primeira divisão. E realmente ficamos na primeira divisão por 12 anos, de 1993 a 2004. É um recorde, talvez, em clubes do Nordeste, de forma consecutiva. Nós ficamos na primeira divisão por 12 anos, oito sem direito de televisão. É um número dificilmente alcançado com essa característica de só ter televisão a partir da entrada do Vitória no Clube dos 13. O resto era uma quantia tão pequena e insignificante, era um abuso com relação às propriedades do clube. Então, a diferença é que, naquele momento, o passivo do Vitória era muito menor. O Vitória não tinha patrimônio, mas também não tinha passivo. Se ele era um clube pequeno, a dívida era do tamanho que ele tinha. Hoje, não, o Vitória cresceu no nosso período, depois continuou mantendo o status de clube médio, na Série A, com alguns rebaixamentos, mas recebendo direito de televisão integral, mesmo quando caía. Hoje nós somos um clube de Série B, com um endividamento enorme para a capacidade de caixa do clube e com receita de televisão de Série B. É a primeira vez que o Vitória tem receita de Série B. Sempre teve, mesmo rebaixado, receita de televisão de Série A. Então, administrar o Vitória hoje é uma tarefa hercúlea. O gestor precisa investir no crescimento do clube. Somente crescendo as outras receitas o Vitória vai poder se equilibrar financeiramente com relação ao déficit que ele tem operacional mensal.

Como está o Vitória financeiramente atualmente?

A mesma coisa de quando eu entrei. Não mudou nada, porque não entrou receita nova. Mesma coisa. Estamos administrando de forma heroica. Claro que as receitas de sócios aumentaram, mas de alguma forma o déficit operacional também aumentou nesse período, porque se você não tem dinheiro, trabalha com déficit de caixa ao longo do período, por mais que você tenha controlado os custos. E isso nós fizemos bem, modéstia à parte. O Vitória, hoje, reduziu seu custo entre R$ 15 milhões e 17 milhões no ano. É por isso que ele está vivo, porque ele fez um rigoroso dever de casa, reduziu todo desperdício que tinha no clube, desde contratos de futebol extremamente danosos, longos, que muitos deles nós temos que administrar, a uma multiplicação de funções desnecessárias ao tamanho do nosso clube. Nós mandamos embora cerca de 70 colaboradores, das diversas áreas, inclusive jogador de futebol, portanto, é um número impressionante. Mexemos em todas as áreas para que o Vitória pudesse sobreviver e continuar buscando sua autossuficiência.

Qual o caminho mais curto para sair da crise financeira?

Já implantamos em janeiro um programa de desenvolvimento esportivo que eu escrevi ainda fora do clube. Estamos desde o ano passado implantando esse programa no clube, que envolve reestruturação do departamento de futebol, com a implantação de uma equipe fixa, que não dependa de treinador. Se o treinador sair, o Vitória não sente. Claro, sente a falta do treinador, mas não a falta da estrutura, como acontecia no passado, que o treinador chegava com filho, dois assistentes, fisiologista, analista de desempenho, e, quando ele ia embora, desarrumava o clube. Isso, no Vitória, não vai mais acontecer. Na parte técnica, nós estamos implantando um programa de metodologia para fortalecer a nossa base, para que a base volte a ser o carro-chefe do clube, com a política institucional bem definida de buscar 2/3 do elenco feitos no clube. Nós já temos 1/3 e vamos chegar a 2/3 no médio prazo para que o Vitória tenha uma operação mais barata, com uma qualidade técnica melhor. Isso já se fez sentir na performance desses primeiros meses do ano, com a equipe feita com muitos jogadores da casa. Esse sempre foi um caminho de sucesso do Vitória e que tinha se perdido ao longo dos anos. A tendência é que já, já, o Vitória tenha uma grande receita para cobrir o seu passivo e equilibrar o seu futuro.

O Vitória tem algum jogador com potencial de venda? 

Deve ter uns oito jogadores em condições de atender o mercado nos seus diversos segmentos. O Vitória tem sim. Eu só não vou citar o nome para não criar valorizações excessivas e que podem atrapalhar a gestão dessas carreiras. Além de Neilton, que é público, que é do clube, o Vitória tem mais seis ou sete jogadores de muito bom nível.

Fonte: Correio

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