No dia seguinte à confirmação do segundo caso de coronavírus na Bahia, Feira de Santana reuniu 80 mil pessoas em um ato religioso nas ruas, neste domingo, 08. A oitava edição da Caminhada do Perdão mostrou que a primeira cidade do Nordeste a registrar a presença do Covid-19 enfrenta o problema cheia de fé, com todas as precauções indicadas pelo Ministério da Saúde e, claro, com alguma tensão.
O evento, que ocorreu entre a Igreja dos Capuchinhos e o Alto do Cruzeiro, seria realizado como nos anos anteriores não fosse alguns detalhes: “Equipes com álcool em gel foram espalhadas no meio do povo”, disse o Frei Mário Sérgio Souza, pároco da Igreja dos Capuchinhos. Ele contou que viu apenas três pessoas com máscaras na caminhada.
Por determinação da Arquidiocese de Feira de Santana, o frei e demais celebrantes devem evitar o aperto de mãos durante a acolhida aos fiéis. Já os devotos devem evitar dar as mãos ao rezar a oração do pai-nosso.
“A comunhão (entrega da hóstia) também tem que ser feita nas mãos dos fiéis e não colocada diretamente na boca. Também suspendemos o abraço da paz no final de todas as celebrações. Estamos preocupados, claro, tomando todas as precauções, mas não vemos motivo para pânico”,afirmou o frei, que diz ter uma paroquiana cujo filho estuda na mesma sala do filho da primeira infectada no estado.
Na própria missa, realizada às 17h, os fiés afirmaram que tomam todas as precauções. As pessoas demonstram algum receio, mas não deixam de frequentar os lugares. “A gente não sabe o que vai acontecer, né? Se até o papa tá realizando missa pela Internet. Eu acho que se a coisa se espalhar demais a gente vai ter que tomar alguma atitude mais drástica”, disse a dona de casa Mirian Lopes de Souza, que foi à missa com o marido, o industriário Dionísio Gama de Souza.
O CORREIO conversou com o virologista Gúbio Soares, da Ufba, sobre a aglomeração no evento religioso em Feira de Santana. Segundo o especialista, “não existe nenhuma recomendação do Ministério da Saúde para evitar aglomeração. Porque quando você toma uma medida como essa, você gera mais pânico. As partidas de futebol continuam acontecendo em todo país, cinema, tudo. Está normal. O número de casos no Brasil é muito pouco. Se você ver, Feira de Santana teve esses casos mas são muito poucos e de alguém que veio da Itália”, diz.
Farmácia teve de comprar álcool para uso dos funcionários (Foto: Alexandre Lyrio/CORREIO) |
Álcool em gel
Diante das informações que circulam nos veículos de comunicação, nas redes sociais e grupos de mensagens de Whatsapp, os feirenses esgotaram o álcool em gel e as máscaras nas farmácias.
O CORREIO passou em seis grandes farmácias de Feira e não encontrou álcool em gel ou máscaras em nenhuma delas. Na Extra Farma, o álcool em gel usado pelos funcionários veio de fora. “Pedimos estoque extra e não chegou. O nosso álcool teve que vir de fora”, disse a balconista Nívea Regina. “Chega e acaba rápido. O pessoal compra 20, 30 frascos de uma vez. Vendi 60 de uma vez para um rapaz”.
Seu Edvaldo, que já usava álcool em gel, agora aumentou práticas de higienização (Foto: Alexandre Lýrio/CORREIO) |
Briga no balcão
Na Farmácia São Paulo, os funcionários relatam uma briga entre clientes que queriam comprar álcool em gel. “Teve gente quase saindo no tapa por causa de álcool”, contou a funcionária Andrezza Rios, que é estudante de Farmácia da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs).
“Lá na faculdade os professores estão ensinando a fazer álcool em gel para o nosso uso”, acrescentou.
Nos locais de maior movimentação da cidade, as pessoas demonstram preocupação, mas sabem o que fazer para se prevenir. Vendedor de ovos da Feirinha da Estação Nova, Edvaldo de Jesus Silva, 53 anos, usava o álcool em gel na sua banca muito antes do coronavírus.
“Eu sou asseado, mexo com alimento. Sempre usei álcool. Mas agora tô usando mais e lavando a mão toda hora”, ensina seu Edvaldo.
Filhas da primeira paciente não pegaram vírus
As duas filhas da primeira paciente baiana infectada pelo coronavírus, a mulher de 34 anos que reside em Feira de Santana, tiveram resultado negativo nos exames para o novo vírus. Além das crianças, também deu negativo o exame da babá que cuida delas. A informação foi divulgada na noite deste domingo, 08, pela Prefeitura Municipal de Feira de Santana.
Ainda segundo a prefeitura, a paciente, que contraiu o vírus na Itália, de onde retornou em 25 de fevereiro, segue monitorada e em isolamento. O período de quarentena da paciente deve ser concluído nesta segunda-feira, 09, quando se encerra o período de risco de contágio do vírus. A Secretaria Municipal de Saúde de Feira também monitora outras pessoas que tiveram contato com a mulher.
Segundo a coordenadora do Comitê Gestor Municipal de Controle ao Coronavírus, em Feira de Santana, Melissa Falcão, a mulher de 34 anos está em isolamento domiciliar, com uso de máscara. Ela acrescenta que mesmo as pessoas que tiveram contato com a paciente e estão assintomáticos, tiveram material coletado para realização de exame laboratorial.
Missa na Igreja dos Capuchinhos estava mais vazia, mas segundo pároco porque os fiéis tinham participado de caminhada e não por conta do vírus (Foto: Alexandre Lyrio/CORREIO) |
Segundo caso na Bahia foi transmissão local
Uma mulher de 42 anos, também moradora da cidade de Feira de Santana, foi o segundo caso do novo coronavírus confirmado na Bahia. De acordo o secretário da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), Fábio Vilas-Boas, a infectada com a doença é empregada doméstica e teve contato com a primeira paciente diagnosticada no estado, o que configura esse segundo caso como a primeira transmissão local do vírus no estado.
Esse novo registro significa ainda que o coronavírus agora já está circulando em território baiano. Além da Bahia, só São Paulo teve registro de transmissão local.
A doméstica teve contato com a primeira paciente quando ela estava sintomática. “Atualmente ambas se encontram em isolamento domiciliar, adotando todas as medidas de precaução de contato e evoluem clinicamente bem”, escreveu o secretário no perfil da Sesab no Twitter, no sábado, 07.
“Diferente do caso original, cujo contágio inicial foi na Itália, trata-se de transmissão local. Cabe ressaltar que as pacientes vinham sendo monitoradas pelo CIEVS-BA em conjunto com a Vigilância Municipal de Feira de Santana”,escreveu Fábio Vilas-Boas.
Mercado em Feira teve movimentação típica do domingo (Foto: Alexandre Lyrio/CORREIO) |
Brasil confirma 25 infectados
O Ministério da Saúde confirmou neste domingo 25 casos do novo coronavírus no Brasil. Alagoas e Minas Gerais passaram a integrar a lista de estados com a presença do vírus. Com o registro, agora são 16 casos em São Paulo, três no Rio de Janeiro, um no Espírito Santo, os dois casos da Bahia, um no Distrito Federal, um em Alagoas e um em Minas Gerais.
Dos 25 casos, quatro ocorreram por meio de transmissão local, por contato com pessoas que tiveram a confirmação de contágio pelo coronavírus. Os outros 21 casos são de pessoas que estiveram fora do país. São Paulo e Bahia foram os dois estados que registraram pessoas infectadas por transmissão local.
O Ministério da Saúde também monitora 663 casos suspeitos. Outros 632 já foram descartados.
No mundo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) informou que até ontem mais oito países confirmaram os primeiros casos do vírus. Já são 105.586 registros da doença em 102 nações, com 3.584 mortes. Na Itália, 7.375 pessoas contraíram coronavírus, com 366 mortes em decorrência da doença.
Cronologia da epidemia: de Wuhan para a Bahia
08.12.19 – Pneumonia Suspeita:Primeiros casos de uma pneumonia desconhecida surgem em um hospital da cidade de Wuhan, na China. O local é uma cidade universitária e comercial mundialmente importante.
31.12.19 – Primeiro Alerta: A organização Mundial de Saúde (OMS) recebe alerta das autoridades sanitárias chinesas sobre o surto de uma ‘pneumonia de causa desconhecida’ que atingiu a cidade de Wuhan,
09.01.20 – O novo vírus: OMS e autoridades de saúde da China divulgam que as primeiras análises realizadas por equipes chinesas apontam que os casos de pneumonia em Wuhan se devem a um novo tipo de coronavírus.
11.01.20 – Primeira Morte: As autoridades sanitárias e de saúde chinesas comunicam à OMS a primeira morte de um paciente infectado pelo novo tipo de coronavírus surgido na cidade de Wuhan, em 08 de dezembro de 2019
13.01.20 – Paciente fora da china: OMS notifica o 1º caso de pessoa infectada fora da China, na Tailândia: uma mulher que voltou de uma viagem a Wuhan. Depois disso, os casos começam a se espalhar pelo mundo
27.01.20 – OMS corrige alerta: A OMS corrige a avaliação de risco diante do coronavírus de “moderado” para “alto”. O prefeito de Wuhan admite ter escondido dados sobre o vírus e oferece sua renúncia.
30.01.20 – Emergência mundial:OMS declara emergência internacional de saúde pública devido ao coronavírus. Isso significa que esforços internacionais serão mobilizados para combater a epidemia.
03.02.20 – Emergência nacional: O Brasil declara Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional. Ministério da Saúde envia Projeto de Lei da Quarentena, que Congresso aprova dois dias depois.
26.02.20 – Primeiro caso no Brasil:Confirmado o primeiro caso de coronavírus no Brasil, em São Paulo. O paciente é um homem de 62 anos que tinha viajado para a Itália. O país europeu vive uma explosão de casos da doença.
06.03.20 – Vírus chega à Bahia: A Secretaria Estadual da Saúde (Sesab) confirma o primeiro caso do novo coronavírus na Bahia: uma mulher de 34 anos, que mora em Feira de Santana e retornou da Itália em 25 de fevereiro.