Foi gigante. E isso se via facilmente. Quando brincava na saída do Campo Grande para Avenida Sete, Roberto até lembrou os velhos carnavais, na década de 50. Atrações sem corda, gente fantasiada, purpurina no chão. A diferença mesmo é a quantidade de público, inédito não só nos tempos de Beto, mas em todos os tempos. A ocupação dos hotéis chegou a 96%, as vendas dos ambulantes cresceram 17% e a circulação de foliões pelos meios de transportes cresceu, ao menos, em quase 310 mil pessoas. O que levou a multidão ao Carnaval deste ano é visto em toda parte.
Tudo começa há pelo menos seis anos, quando os primeiros artistas abaixam as cordas. É necessário olhar para trás para enxergar o hoje, acreditam, quase em consenso, os foliões.
“Salvador tem oferecido opções mais baratas de curtir. Acho que essa é a grande diferença desse Carnaval”, opina a foliã Eveli Barreto, 51 anos, sobre a dimensão da folia de 2019.
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Neste ano, foram quase 220 trios sem cordas patrocinados pelos governos estadual e municipal – em 2018, foram 162. O folião ocupou das ruas de trás aos becos e avenidas principais. “Dá para ver tudo aqui e é mais confortável”, acredita a operadora de máquina Tatiane Mota, 32.
Mas a questão das cordas, nem de longe, pode explicar o número de pessoas nas ruas. A quantidade de turistas e baianos que circularam de ônibus, táxi, mototáxi e ascensores traduz as dimensões. No ano passado, eram 4,49 milhões; em 2019, 4,8 milhões. Por exemplo, Roberto Matos, 69, o folião das antigas que brincava no Circuito Osmar na terça-feira (5), acredita ser uma mudança principalmente estrutural. “Eu desci andando do metrô até aqui. Facilita muito”, opina. Os mais jovens também acreditam no impacto do transporte público.
“Para você ter ideia, eu já tive que vir andando de casa [na Avenida Barros Reis] até aqui. Hoje foi diferente, peguei meu metrô e meu ônibus”, acrescenta Luciano Barros, 47.
O transporte foi feito, principalmente, via o chamado Expresso Lapa-Barra, que distribuiu os foliões do metrô para o circuito. A vendedora Jailane Menezes, 30, é foliã desde muito jovem. Neste ano, levou a filha pela primeira vez ao Carnaval. Por que? “Eu acho que a violência diminuiu e isso chama atenção de quem vive aqui”, explica. O balanço do Carnaval, que pode explicar a percepção da foliã, será divulgado nesta quarta-feira (6)
A sensação de segurança aproxima os foliões daqui e de fora. O casal de Taubaté, em São Paulo, Carlos Borges, 51, e Silvia Borges, 51, também conseguiu fazer um panorama na primeira vez no Carnaval de Salvador. “Estou achando seguro, não vi nada”, opina Carlos. Antes de seguirem o Trio do Olodum, no entanto, Silvia observou: “Acho que tem a ver com o pessoal também. Todos nos receberam bem, ensinaram…”.
Autoestima
Do lado dos ambulantes, a autônoma Jucélia de Jesus, 36, respondeu Silvia. “Tem que saber tratar bem sempre. Nesse ponto, reconheço que faço tudo isso mesmo”, disse, na típica modéstia baiana. Talvez tenham até motivo para ser simpática. A venda de cervejas nos pontos dos 10 mil ambulantes cresceu 17% no Circuito Dodô, segundo o Secretaria do Vendedores Ambulantes da Bahia. “Esse é o primeiro Carnaval que eu passo trabalhando e tenho vendido muito”, acrescenta Cleiton Ferreira, que também se junta ao grupo dos que elegem a segurança como o incentivo para levar o público às ruas.
Não que o Carnaval de antes fosse pequeno. Longe disso. Sempre movimentou milhões de pessoas. Ano passado, a ocupação dos hotéis ficou em 94%, calcula a Federação Baiana de Hospedagem e Alimentos. “Foram meses de exposição numa novela global. Deixou no imaginário. As pessoas irão querer vir para cá por muito tempo. Lembrando, também, que muitos turistas estão aqui na casa de amigos e parentes e isss nem temos como calcular”, acrescenta o presidente da entidade, Silvio Pessoa.
Durante entrevista coletiva na sala de imprensa no Circuito Osmar, o prefeito ACM Neto também se ateve ao imaginário, ao ser perguntado porque a equipe de gestores fala em “carnaval da década”:
“Se você perguntar a grande marca do carnaval de 2019, é o reconhecimento das pessoas em relação ao momento que Salvador vive. Por que as pessoas quiseram vir para cá? Por causa da cidade. Se tivesse uma explicação seria essa. Não teve um dia a mais, ninguém inverteu a roda. Tudo que fizemos sempre esteve aqui”.
É um ciclo, acredita o chefe de cozinha Valmir Santos, 45. Se a percepção da cidade mudou, é inevitável outras mudanças. “O Carnaval está com mais atrações gratuitas. Torna tudo mais harmônico, menos discriminatório”, acrescenta, devidamente caracterizado com uma máscara preta com plumas. No Carnaval deste ano, por exemplo, o assédio se tornou crime no Brasil.
Mas, como tudo aconteceu até chegar até este que é chamado o maior Carnaval já visto em Salvador? “O trabalho de promoção da cidade explodiu neste ano. Isso não é uma combustão espontânea, mas algo que enche até florescer. Tudo chacoalhou num grande coquetel que virou esse carnaval”, diz o presidente da Empresa Salvador Turismo (Saltur), Isaac Edington.
Para Roberto, com a autoridade de ter acompanhado os primeiros carnavais dos trios elétricos, a chave dos próximos anos é: “Resgatar ainda mais essa alegria, resgatar o que significa o Carnaval”. Assim, o Carnaval de 2020 pode ser ainda maior.