IA Generativa: o corretor que tomou esteroides (e por que ele fala bonito sem entender nada)

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Petrus Evangelista*

Pense no corretor do WhatsApp que tomou esteroides na academia. Agora ele escreve textos perfeitos, mas continua sem entender nada do que diz. Bem-vindo ao mundo das IAs generativas.

Todo mundo já passou pelo drama: você digita “oi” e o corretor manda “ou”. Ou escreve “obrigado” e ele teima em corrigir para “obrigada”. O danado não entende contexto, só chuta a palavra mais provável. Agora imaginem esse mesmo corretor depois de ler toda a Wikipedia, Shakespeare e posts do Facebook da sua tia (sim, ela também treinou a máquina, desculpe). Parabéns, você acabou de inventar o ChatGPT.

A mágica por trás da cortina

A sigla oficial é LLM — Large Language Model. Em bom português: modelo de linguagem gigante. É como aquele amigo que decorou a Barsa inteira mas não sabe trocar uma lâmpada.

O funcionamento é mais simples do que parece. A máquina pega bilhões de textos, livros, sites, conversas, também aqueles posts do Facebook da sua tia e procura padrões. “Depois de ‘bom’, geralmente vem ‘dia’”. É estatística turbinada se passando por inteligência.

Quando você pergunta “qual a capital da França?”, a IA não “sabe” que é Paris. Ela só aprendeu que, na maioria esmagadora dos textos que leu, depois de “capital da França” costuma vir “Paris”. É como um papagaio muito sofisticado: repete com perfeição, mas sem compreender.

O truque de mágica

O processo acontece em três etapas que soam mais complicadas do que são:

Primeiro, a máquina quebra seu texto em pedacinhos chamados tokens — imagine picar uma salada de palavras.

Depois vem o treinamento: a IA lê mais texto que estudante de direito na véspera da OAB. Ela engole jornais, livros, bulas de remédio (alguém tinha que ler). E vai anotando padrões: “depois de ‘era uma vez’ vem história de princesa”.

Por fim, ela joga esse jogo de adivinhação em loop. Você pergunta sobre brigadeiro, ela pensa: “depois de ‘ingredientes’ vem ‘leite condensado’”. E vai montando a resposta palavra por palavra.

Os limites do prodígio

O resultado impressiona. A IA escreve poemas, explica física quântica, inventa piadas (algumas até engraçadas). Mas tem suas limitações, e são importantes.

Primeiro: ela não pensa de verdade. É como assistir filme dublado — parece que o ator fala português, mas ele nem sabe que existe Brasil.

Segundo: ela só “sabe” o que leu até certo ponto no tempo.

Pergunte sobre a novela que estreou ontem e ela vai inventar uma resposta com a confiança de quem viu todos os episódios.

Terceiro: herdou todos os preconceitos dos textos que leu. Se a internet tem mais teorias conspiratórias que ciência séria, a IA vai refletir isso se treinada com esse conteúdo.

Talvez o mais perturbador seja isso: a IA não é realmente “inteligente”. Ela apenas aprendeu a falar bonito. E nós, seduzidos pela eloquência, confundimos lábia com sabedoria.

No fim das contas, essas máquinas são nosso reflexo: brilhantes e limitadas, eloquentes e confusas. Elas aprenderam conosco, afinal.

E talvez seja exatamente isso que mais nos incomoda: descobrir que grande parte da comunicação humana também é só completar frases. Que muito do que consideramos “inteligência” é apenas padrão bem disfarçado.

No fim, talvez a IA só revele o que já sabíamos e fingíamos não ver: a eloquência nunca foi garantia de inteligência — nem nas máquinas, nem em nós.

*Gestor de Arquitetura, Dados e IA na TOTVS

“Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornal Hoje em Dia”.

Fonte: Hoje em Dia

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