Café brasileiro – Foto: Freepik
Quem acha que o café já está caro, prepare-se: a tendência é que o produto volte a pesar no bolso. Depois de um respiro entre julho e agosto, quando o preço caiu 2,17% no IPCA, os sinais apontam para nova alta nas gôndolas dos supermercados.
Os motivos vão desde problemas na safra até incertezas no mercado internacional, ampliadas pelas tarifas alfandegárias impostas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre produtos brasileiros.
Economistas acreditavam em uma deflação do café, já que o grão tinha ficado de fora da lista de exceções à sobretaxa americana. Mas mudanças no intricado fluxo global de mercadorias alteraram o cenário.
Para completar, geadas no Cerrado Mineiro e uma colheita com menor rendimento reduziram as estimativas da safra brasileira, restringindo a oferta do produto dentro e fora do país.
O café, vilão da inflação
Nos últimos anos, o café foi um dos principais responsáveis pela inflação. A falta de chuvas na fase de desenvolvimento das lavouras aumentou os custos de produção, já que os produtores tiveram que gastar mais para manter as plantações e controlar pragas.
No mercado internacional, países como Vietnã e Indonésia também sofreram com perdas por causa do clima, o que reduziu a oferta global justamente em um período de alta no consumo da bebida.
Com essa combinação, o Brasil bateu recorde de exportações em 2024: foram 50,44 milhões de sacas de 60 kg, segundo o Cecafé, um crescimento de 28,5% em relação a 2023.
As cotações acompanharam o movimento. Em 12 de fevereiro, o preço da saca atingiu valores históricos: R$ 2.769,45 no arábica e R$ 2.087,05 no robusta, conforme o Cepea (Esalq/USP). A partir de março, com a colheita e a expectativa de recuperação no Sudeste Asiático, os preços recuaram, chegando em julho a R$ 1.682,70 (arábica) e R$ 975,70 (robusta).
Ainda assim, o café moído acumulou 18 meses consecutivos de alta, somando quase 100% de inflação entre janeiro de 2024 e junho de 2025. A primeira queda veio apenas em julho, com -1,01%.
Tarifa dos EUA aumenta pressão
No fim de julho, os Estados Unidos surpreenderam o mercado ao ampliar de 10% para 50% as tarifas sobre produtos brasileiros, deixando o café fora da lista de isenções. A medida frustrou as expectativas, já que os EUA dependem do Brasil para suprir 30% de seu consumo interno.
“O governo americano chegou a cogitar zerar a tarifa para alimentos que não são produzidos lá, citando o café”, lembrou o Cecafé. Mas a decisão de taxar trouxe instabilidade.
O resultado imediato foi uma retração nos embarques. Entre janeiro e julho de 2025, as vendas para os EUA caíram 22,4% em relação ao mesmo período de 2024, segundo o MDIC.
No dia em que o tarifaço entrou em vigor, 6 de agosto, o arábica estava em US$ 286 por cem libras-peso em Nova York, e o robusta a US$ 3.340 por tonelada em Londres — valores bem abaixo dos recordes de 2024.
“Mesmo com essa correção absurda do mercado, nem a Europa, nem a Ásia, nem Estados Unidos vinham comprando muito café, porque os investidores entendiam que teria que cair mais para poder equilibrar o preço médio, já que os estoques anteriores eram caríssimos”, explicou Márcio Ferreira, presidente do Cecafé.
Segundo ele, a partir das tarifas houve aumento de pedidos de novos contratos, não por crescimento do consumo, mas como precaução diante das incertezas.
Safra menor amplia preocupação
Além do cenário externo, o clima voltou a pesar. Geadas no Cerrado Mineiro em agosto provocaram perdas entre 400 mil e 600 mil sacas. Com a colheita praticamente finalizada, a Conab estima produção de 35,2 milhões de sacas beneficiadas de arábica, 11,2% a menos que no ciclo anterior.
O Itaú BBA projeta 38,7 milhões, também abaixo da estimativa inicial do USDA.
A escassez fez os preços dispararem de novo: no fim de agosto, o arábica atingiu US$ 386 e o robusta US$ 4.815 no exterior. No Brasil, os valores saltaram para R$ 2.323,06 e R$ 1.534,41, respectivamente.
Alta chega ao consumidor
Não demorou para o impacto bater no varejo. No início de setembro, torrefadoras como Melitta e 3corações anunciaram reajustes de até 15% nos preços.
Segundo documentos da Reuters, o aumento foi justificado pelo encarecimento do grão verde, que representa cerca de 40% do custo da saca torrada e moída.
A Conab projeta que o consumo mundial de café chegue a 169,4 milhões de sacas na safra 2025/26, um novo recorde. Mas os estoques globais estão no menor nível em 25 anos, o que deve manter os preços firmes.
Exportações em queda para os EUA
Com as tarifas de 50%, o café brasileiro se tornou pouco competitivo no mercado americano. “Com a cotação de US$ 386 na Bolsa de Nova York mais a tarifa de 50%, o café arábica brasileiro custaria US$ 579 para o importador americano, mais alto do que a máxima histórica do ano passado”, disse Ferreira. “As tarifas são proibitivas.”
Em agosto, as exportações para os EUA somaram 301 mil sacas, queda de 46,5% em relação ao mesmo mês de 2024. Já a Alemanha importou 414 mil sacas, superando os americanos como maior comprador.
Possível substituição gradual
Apesar da queda, especialistas acreditam que os EUA não conseguirão substituir o café brasileiro de forma imediata, já que a oferta global está ajustada. Mas existe a preocupação de que, aos poucos, os grãos brasileiros percam espaço nos blends americanos, sem que o consumidor perceba a troca.
“Isso pode nos levar a um prejuízo que é muito difícil de recuperar”, alertou Ferreira.
Setor privado tenta acordo
Enquanto o governo brasileiro estuda usar a Lei de Reciprocidade Econômica contra os EUA, o Cecafé defende manter as negociações no âmbito do setor privado.
Para a entidade, retaliar agora pode atrapalhar ainda mais o diálogo. “Pensar na aplicação da Lei de Reciprocidade é prematuro, uma vez que sequer houve uma reunião entre os governos de Brasil e EUA”, destacou o conselho em nota.
O setor segue confiante em conseguir incluir o café na lista de isenções tarifárias até o fim do ano. Afinal, segundo dados do Cecafé, cada US$ 1 de café exportado pelo Brasil gera US$ 43 no PIB americano, movimentando uma cadeia que emprega 2,2 milhões de pessoas e representa 1,2% da economia dos EUA.
Fonte: A Tarde