Por que travamos ao falar sobre nós mesmos em entrevistas?

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Rebecca Fischer*

Você teve décadas para se conhecer — então, por que tantas pessoas travam quando ouvem a pergunta “fale um pouco sobre você”? Essa é, provavelmente, uma das questões mais simples e, paradoxalmente, mais desafiadoras em qualquer entrevista de emprego. O problema raramente é a falta de conteúdo e quase sempre é o excesso. O candidato carrega anos de experiências, histórias e realizações, mas não consegue organizar uma narrativa clara, concisa e relevante para o momento.

Recentemente, entrevistei um profissional com mais de 15 anos de experiência, currículo impecável e perfil muito forte para a vaga. Mas, quando fiz a pergunta inicial, ele passou cerca de sete minutos falando…do primeiro estágio, que sequer tinha relação com o cargo pretendido. Foi necessário interrompê-lo para que a entrevista avançasse. Ele continuou no processo por mérito, mas o episódio me fez refletir: por que, no Brasil, ainda não desenvolvemos uma cultura sólida de preparação para entrevistas?

Minha referência internacional é limitada aos Estados Unidos, onde participei de alguns processos seletivos, mas o contraste é nítido. Por lá, existe uma cultura estruturada de preparação, com abundância de conteúdos, cursos e simulações. A expectativa sobre cada etapa é clara — e até essa pergunta, aparentemente banal, é treinada como se fosse um pitch pessoal. É um exercício de autoconhecimento aplicado à comunicação.

As consultorias estratégicas, por exemplo, tratam isso de forma metódica. McKinsey e BCG orientam candidatos a usar o framework “Passado–Presente–Futuro”: em até três minutos, apresentar a trajetória, conectar com o momento atual e projetar o futuro alinhado à vaga. Bancos de investimento como o Goldman Sachs são ainda mais rígidos: esperam respostas de 60 a 120 segundos. Quem se alonga demais perde pontos — porque, em ambientes de alta pressão, clareza e foco valem tanto quanto experiência. Já empresas de auditoria como EY e Deloitte reforçam que o ideal é preparar uma resposta como um mini pitch, deixando de fora experiências irrelevantes para o contexto.

No Brasil, ainda tratamos entrevistas como conversas improvisadas, como se a naturalidade bastasse. Mas, em mercados competitivos, o improviso dificilmente vence o preparo. Não se trata de ensaiar uma fala robótica, e sim de organizar ideias para que o recrutador veja, rapidamente, o que você tem de mais relevante.

Uma resposta longa, desordenada ou cheia de informações desconectadas pode transmitir a impressão de falta de foco, mesmo quando o candidato é brilhante.

Criar essa cultura de preparação é urgente. Treinar entrevistas deveria ser encarado como parte do desenvolvimento profissional, assim como cursos, certificações ou networking. A habilidade de contar a própria história com clareza e estratégia não apenas aumenta as chances em processos seletivos, mas também fortalece a confiança em momentos decisivos da carreira. Afinal, se você não consegue explicar quem é e o que quer em dois minutos, dificilmente alguém fará isso por você.

*Co-fundadora e CSO da fintech brasileira Divibank

“Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornal Hoje em Dia”.

Fonte: Hoje em Dia

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