Guia: aprenda a diferença entre assédio e paquera e não seja um babaca na folia

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Se você já puxou uma mulher no Carnaval, este texto é para você. Se nunca puxou ninguém, mas acha que estar bêbado justifica chamar uma moça desconhecida de ‘gostosa’ ou qualquer coisa do tipo, também é para você. É, ainda, para todos os que dizem que, ‘se está no Carnaval, a mulher tem que aceitar o que virá’ – afinal, ‘a folia é assim mesmo e quem se prestou a ir que aguente’.

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A partir de agora, quem assediar mulheres no Carnaval não vai escapar tão fácil de ser penalizado – muito menos com uma dessas desculpas de sempre. O ano de 2019 deve entrar para a história como o primeiro em que o assédio sexual – em todas as suas formas – será crime, devido à lei federal 13.718, aprovada em setembro do ano passado e que tipifica a importunação sexual.

Por isso, mulheres, esse texto também é para vocês. É para qualquer uma que esteja com medo de andar sozinha nos circuitos. Para aquelas que, estejam trabalhando ou se divertindo, respiram fundo toda vez que alguém puxa seu cabelo. Para quem até já aceitou que é uma espécie de sina – aquela cruz que deve ser carregada, só por ser mulher.

Pois, agora, os agressores vão ter que se justificar com a polícia – talvez, até com a Justiça. As consequências de um assédio podem chegar até cinco anos de reclusão. Será considerada importunação sexual tudo que for praticado “contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”, de acordo com o próprio texto da lei.

“É muito clara a diferença entre paquera e assédio. Paquera é quando os dois lados estão se divertindo. Quando aquilo deixa de ser divertido, deixa de ser paquera”, diz, categórica, a embaixadora da campanha Não é Não na Bahia, Gabriela Guimarães.

Criada em 2017, no pré-Carnaval do Rio de Janeiro, a campanha contra o assédio se espalhou pelo Brasil graças a ação de voluntárias e de financiamento coletivo.

Uma das fundadoras foi vítima de assédio justamente em um samba no pré-Carnaval. Ao conversar com um grupo de amigas, todas perceberam o quanto aquilo era comum – e, mais do que isso, normatizado. Daí veio a ideia de colocar um aviso – de que a recusa não significa ‘talvez’ – no próprio corpo, onde as mulheres são mais invadidas, sob a forma de tatuagens.

Gabriela é embaixadora da campanha na Bahia (Foto: Ítala Martina/Divulgação)

Em todo o Brasil, até o fim do Carnaval, serão 200 mil tattoos da ‘Não é Não’. Por aqui, serão distribuídas 25 mil tatuagens para mulheres nos circuitos do Carnaval, além de parcerias com entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Bahia (OAB-BA) e a Secretaria de Políticas Para Mulheres do Estado (SPM-BA).

“Toda mulher sabe que, em maior ou menor grau, todo mundo já sofreu assédio. As tatuagens, além de servir como denúncia, servem para criar uma rede de fortalecimento entre as mulheres, para que elas se protejam”, afirma.

Consentimento
Algumas formas de assédio, que antes eram tipificadas como injúria ou outros crimes, também vão ser consideradas importunação sexual. Qualquer forma de aproximação contra uma mulher sem a sua vontade pode ser enquadrada dessa forma, de acordo com a presidente da Comissão de Proteção aos Direitos da Mulher da OAB-BA, Renata Deiró.

“A palavra-chave dessa lei é ‘consentimento’. Beijar, alisar, tocar… Nada disso é crime. O crime é você fazer isso sem o consentimento. A nova lei veio justamente para proteger as mulheres desse tipo de assédio, que é tão comum. Ela veio à tona, principalmente, pelos assédios praticados no transporte público”, explica a advogada.

Por isso mesmo, nem sempre é preciso existir toque. Ou seja: o assédio pode existir mesmo quando uma pessoa está a metros de distância uma da outra. Da mesma forma, nem sempre o assédio aparece de forma obviamente violenta. Às vezes, o assediador surge de forma carinhosa. Alguns até alisam a vítima. O problema passa a ser, então, a insistência.

O principal objetivo da lei, para a conselheira da OAB-BA, é educar a população. Crimes como injúria, difamação e calúnia acabam tendo penas mínimas. A maioria é convertida em prestação de serviços comunitários por alguns meses ou pagamento de cestas básicas. Na prática, para especialistas, não funciona nesses casos.

Assim, a nova lei vem com um caráter punitivo junto ao perfil educativo. “Mas precisa existir mudança de pensamento real da população – ou seja, entender que a mulher tem o direito de usar a roupa que quiser, de estar no ambiente que quiser e andar sozinha na rua de forma segura. Essa mudança é importante”, completa Renata.

Denúncia
Mas, no meio do empurra-empurra, da muvuca e do alto-falantes dos trios, como denunciar? Há várias formas, que vão desde chamar a patrulha da Polícia Militar mais próxima, entre os PMs que ficam fazendo rondas a pé entre os foliões, até simplesmente fazer um registro em um dos postos da Polícia Civil no circuito. De acordo com a Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP-BA), pela primeira vez, três Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deam) vão funcionar nas proximidades da folia.

Anota aí: elas vão ficar no canteiro central da Avenida Ademar de Barros, em Ondina; no Largo Dois de Julho e na Rua Airosa Galvão, na Barra. No entanto, qualquer delegacia que estiver funcionando poderá atender aos casos de assédio e agressão à mulher – seja uma Deam ou não.

Ainda que seja o primeiro ano, a comandante da Ronda Maria da Penha, Major Denice Santiago, garante que todos os policiais miliares estarão capacitados para atender aos casos de assédio. Isso porque os PMs que fazem parte da ronda vão estar, durante todos os dias de Carnaval, nos chamados pontos de reunião de tropa – ou seja, as bases operacionais da corporação.

Isso significa dizer que todo policial (militar) que entrar em serviço vai ser recepcionado pela ronda e vai ouvir uma ‘mini palestra’ que vai explicar o que é a violência contra mulher e, mais especificamente, a situação da importunação”, diz a major.

Os policiais vão ser indicados a ficar atentos a todo tipo de situação – seja quando homens estiverem encostando demais em uma mulher sem o seu consentimento, seja em tentativas de beijo forçado ou até se um homem estiver se masturbando perto de uma mulher. O beijo forçado, inclusive, já foi considerado estupro pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Mesmo assim, ela pondera que, por ser uma lei “extremamente” nova, devem existir embates culturais. Até então, todas essas situações chegavam a ser relativizadas – simplesmente por se tratar de uma festa como o Carnaval.

“É importante também que as mulheres saibam que aquilo é crime. Até então, muitas achavam que era abuso, bebida, que era algo da festa. Muitas não iam para o Carnaval porque achavam que os homens iam querer beijá-las”.

Na hora de fazer a denúncia, vale tudo – desde levar uma ou duas testemunhas do crime até registrá-lo em vídeos, áudios e fotos. O registro não precisa ser feito, necessariamente, pela vítima. Ou seja, se alguém, no circuito, notar que uma mulher está sendo assediada, pode registrar o caso para que ela use as imagens como prova depois.

Guia: Como não ser um babaca no Carnaval

Na maioria das vezes, a desculpa de um assediador vem de um leque de opções bem conhecido: “achei que ela estava gostando”; “estava bêbado”; “não sabia que era assédio”; “vocês estão cheias de mi mi mi” e até “Carnaval é assim, agora aguente”.

Agora, para que ninguém se faça de desentendido, o CORREIO preparou um guia do que é assédio e do que não é. Ou seja, não há desculpa para se comportar como um babaca na maior festa popular da cidade.

  • Abuso sexual – Como é normalmente chamado o estupro de vulnerável (veja abaixo).
  • Assédio Sexual – Investida sensual ou sexual alheia à vontade da pessoa a quem ela se dirige. Não há consentimento. Trata-se, apenas, de constrangimento. É o caso de um “fiu fiu” na rua, por exemplo.
  • Assédio Sexual x Paquera – A paquera é uma tentativa de criar um elo, ao contrário do assédio, que não procura essa ligação. Ao cantar alguém na rua, a pessoa não quer uma resposta de volta, quer apenas se impor. A paquera não provoca medo nem angústia. Ela acontece com consentimento.
  • Estupro – Desde 2009, o artigo 213 do Código Penal define que estupro significa “constranger alguém mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Ou seja, mulheres e homens podem ser estuprados, assim como podem ser estupradores. A pena é de seis a dez anos de prisão.
  • Estupro de Vulnerável – Pelo artigo 217 do Código Penal, significa ter conjunção carnal ou praticar qualquer ato libidinoso com menores de 14 anos. Pela lei, até essa idade, mesmo que a criança ou o adolescente dê seu consentimento, se trata de um estupro.

E em situações práticas? 

Beijar uma mulher à força/sem pedir permissão: assédio. Mais do que isso, é considerado estupro pela lei de 2009.

Chegar junto e tentar puxar conversa: é paquera até o momento em que a mulher diz não. Quando ela nega as investidas, tudo que acontecer imediatamente depois é assédio.

Chamar uma mulher desconhecida de ‘gostosa’, ‘linda’, ‘delícia’: assédio (e provavelmente ela ficará com medo).

Xingar uma mulher que nega suas investidas: assédio.

Puxar pelo braço ou pelo cabelo: assédio.

Troca de olhares e sorrisos (de ambas as partes) até chegar ao beijo: paquera.

Quando uma mulher desvia o olhar: ela está dizendo ‘não’. Se o outro lado continuar insistindo, é assédio.

Encostar demais em uma mulher, roçar o corpo na mulher sem autorização para isso: assédio.

Colocar a mão por baixo da roupa de uma mulher/ tocar as partes do corpo de uma mulher, sem consentimento: assédio. Pode, inclusive, ser estupro.

Quando uma mulher está bêbada demais para consentir: mais do que assédio, é considerado também estupro de vulnerável.

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